Como Serão as Escolas Após a Quarentena - Por Tania Aloisi e Ricardo Costa Mesquita

Uma das poucas certezas que temos a respeito da quarentena que a pandemia nos reservou viver nestes dois anos incompletos é que ela terminará. E deixará marcas e aprendizados.

Sabemos que a escola voltará a ser presencial, os professores reencontrarão seus alunos, estes também seus colegas e a escola voltará a ser aquele lugar barulhento e vivo cuja imagem nossa lembrança insiste em não deixar se perder.

Pode ser também que as aulas mediadas por tecnologia, ministradas à distância tenham vindo para ficar. Não é difícil antever a permanência de modelos híbridos de funcionamento preservando-se em algumas escolas da rede privada.

Mas, a pergunta que mais importa hoje é: que escola emergirá da cena atual? A mesma que havia antes ou será uma escola totalmente nova?

Procurando dar conta dessa questão, vamos encontrando outras.

Os planejamentos serão retomados sem que as práticas se modifiquem substancialmente? E isso será suficiente para superar, em curto ou médio prazo, o buraco deixado por conteúdos que não puderam ser aprendidos? A mediação tecnológica ocupará novo lugar na relação professor-aluno? E na relação escola-comunidade? A motivação dos alunos para as aulas será a mesma ou já sentiremos mudanças nesse sentido? E, por fim, terão a pandemia e a quarentena minado o valor social da escola?

No que refere ao planejamento econômico das escolas, como equilibrar os custos e demandas? Outra dura face que a pandemia mostrou às Instituições de Ensino foi a dificuldade financeira, sentida principalmente por pequenas e médias escolas particulares, em função do aumento da inadimplência e consequente quebra de contratos. Situações como desemprego ou drástica redução de renda dos pais fez emergir a reavaliação de todos os custos das famílias, incluindo os serviços de educação. Reduções no quadro de docentes e funcionários já se tornou uma realidade em muitas escolas, visto que passado um ano e meio de ensino remoto a quantidade de colaboradores precisou ser revista.

Que lições, afinal, podemos tirar do tempo de reclusão a que fomos obrigados?

Temos a convicção de que responder à última pergunta é, sem dúvida, o passo metodológico inicial. Eis aqui então alguns elementos importantes.

a)       Em primeiro lugar, o Professor. Certamente ele foi figura chave na preservação do possível funcionamento das escolas. Sua capacidade de resistir às agruras do confinamento, mas também seus recursos pedagógicos e seus conhecimentos de tecnologia, sua criatividade, sua capacidade de aprender - tudo isso fez enorme diferença em todas as escolas.

Aqui é importante acrescentar à capacidade individual do professor de ser bom autor e condutor de seus cursos, qualificando o que a escola pôde oferecer aos seus alunos, o professor como corpo docente, articulado com seus colegas, planejando em conjunto e encontrando no coletivo um substancial apoio e fonte de inspiração e aprendizagem.

Ou seja, a primeira lição foi a centralidade do corpo docente no equacionamento de soluções ou projetos de educação, ensino, escola.

b)      A segunda consideração tem a ver com a Percepção dos Alunos. Ficou muito claro que um dos maiores prejuízos para o professor foi perder a proximidade de seus alunos. A visão da tela mostrou-se insuficiente para perceber o interesse e o engajamento de cada aluno em suas propostas de aula. Mobilizar o aluno ficou bem mais difícil.

Aqui também deverá aparecer o aluno como coletivo. As atividades que conseguiram, apesar das dificuldades, fazer com que produzissem em grupo foram, em geral, as de maior e melhor reposta.

A lição que se evidenciou então é a necessidade de conhecer cada aluno, o que quer dizer produzir ambiente em que ele se revele nas coisas que faz, bem como no convívio com seus pares.

Conhecer igualmente bem o coletivo de alunos para fazer propostas que dialoguem com sua realidade e que mobilizem esse coletivo - afinal, educar-se é algo que se faz coletivamente, é algo social.

c)       A terceira consideração que fazemos é sobre a Comunicação na Escola com e entre os diversos grupos institucionais. A falta de clareza e alinhamentos nas políticas públicas tornaram mais desafiador para as escolas o enfrentamento da pandemia. Em boa parte das vezes, coube-lhes decidir autonomamente pelo caminho que deveriam seguir. Mais do que visão ou tino do corpo diretivo, foi necessária uma boa sintonia com a sua comunidade. Tomar decisões demandou estar atento e sintonizado à realidade vivida por alunos, pais, professores e demais funcionários, bem como sensibilidade para acolher suas dificuldades, seus anseios e receios.

Foi igualmente importante que os diversos coletivos não se fechassem em posições corporativas insensíveis às diferenças presentes no seio da comunidade escolar, sem o quê as boas soluções, já sempre tão escassas, se tornariam mais difíceis ainda.

d)      Por último, uma consideração sobre o Espaço Escolar. Na nossa história de início de quarentena, a escola se viu reduzida a posto de trabalho de alguns poucos responsáveis pela produção e distribuição de acessos eletrônicos para garantir a comunicação entre os professores e alunos e entre a escola e sua comunidade. Depois, com a possibilidade da volta dos alunos, ainda que com os chamados sistemas híbrido, porque mesclando ensino presencial com aulas mediadas por tecnologia, a preocupação tornou-se a garantia de recursos de higienização geral dos espaços e objetos, bem como de circulação de ar nos ambientes de aula. Estas últimas ainda serão, por um bom tempo, as principais preocupações das entidades mantenedoras com relação ao que garantir como condição para que alunos voltem a ocupar o espaço escolar em condições adequadas.

Cada uma das considerações acima deve inspirar a busca por encaminhamentos que especifiquem a vocação de cada escola. A forma com que responderão a cada um dos quesitos mencionados dirá da maior ou menor vontade ou capacidade de transformar a crise em oportunidade de revisão.

Assim, as formas de investir no corpo docente e sua qualificação em serviço, além dos processos de apoio tão caros às teorias de recursos humanos, deverão ocupar lugar especial em um plano de renovação da escola e de aproveitamento da ocasião que se apresenta.

Igualmente, rediscutir o projeto pedagógico para que ele potencialize da melhor maneira as características de cada extrato de alunos da escola deverá merecer atenção primordial na retomada do funcionamento presencial. De resto, o próprio estágio em que estamos no estabelecimento de nossa Base Comum Curricular já vinha demandando esse esforço. A pandemia, de certa forma, recolocou o problema adicionando uma dolorida experiência em que o aluno se viu isolado e o professor se percebeu distante - que se pode tirar dessa vivência na reconsideração do projeto pedagógico?

Já era uma máxima da escola a necessidade de boa comunicação dita assim de maneira geral. A pandemia intensificou esse paradigma demandando fina sintonia entre as partes. Desenvolver rotinas de trocas de informações e impressões poderá ser a pedra de toque na produção e no desenvolvimento da vida escolar. Aqui, ainda que o encontro presencial continue sendo o mais precioso dos recursos, não há dúvida de que a tecnologia tem se mostrado instrumento utilíssimo de que não se deve abrir mão porque agiliza e multiplica as interações e pode encurtar caminhos.

Quanto ao espaço da escola, também existe a oportunidade de apresentar novidades aprendidas da pandemia. De maneira geral serão preferíveis a circulação, os espaços sugestivos e menos ocupados, a boa rede de comunicação em lugar da simples multiplicação de máquinas cuja atualização está sempre em débito.  Espaço maker? Sala de línguas? Ateliê de artes? De vídeo? De música? De podcast? Ou apenas um inteligente rearranjo das salas de aula? São muitas as possibilidades e o projeto pedagógico é que dirá. Mas, é sobretudo a particular visão sobre o ‘Novo’ que regerá o investimento no espaço. O certo é que encontrar uma escola que aproveitou o tempo para se adequar será melhor do que reencontrar um lugar que apenas levantou os lençóis que o protegiam do pó.

Após quase dois anos em que vivemos apartados das escolas, tendo-as apenas parcialmente em nossas vidas, será necessário um grande esforço de toda a rede de ensino para reafirmar a importância da escola e o valor social da Educação. Na rede privada, comunicar esse valor de forma convincente e atrativa será ainda mais crucial por conta do estresse financeiro a que foram submetidas as famílias. Dos mantenedores será preciso mais do que a convicção e o apreço pelo próprio projeto de escola - qualidades tão comuns quanto positivas em quem envida seu tempo e esforço à atividade educacional. Será preciso contar com bons colaboradores e parceiros, fontes de conhecimento e de recursos, para dar novo fôlego às apostas em um futuro mais feliz.